domingo, 17 de outubro de 2010

Vegetarianismo = Saúde? Uma visão clínica



Seja para fins econômicos, trabalhistas, organizacionais ou meramente pessoais, o ser humano sempre aflorou seus sentimentos de superioridade perante os mais fracos e isso ocorreu, ao longo dos séculos, independentemente da natureza, raça, crédulo ou espécie dos subjugados. Nesta regra natural da ordem dos fatores evolucionais, em que os mais afortunados sobrepõem-se sobre os menos privilegiados, os animais, que perambulam na ingenuidade de suas existências, são as grandes vítimas desta história.
Atualmente, a necessidade por comer carne, que é por definição: restos mortais oriundos de músculos esqueléticos de um outrora ser vivente, não existe mais. A agricultura se desenvolveu, a diversidade de alimentos vegetais também, o intercâmbio entre produtores de alimentos nunca foi tão forte e, o mais cômodo, há hipermercados à cada esquina onde é possível encontrar tudo, absolutamente tudo para se nutrir e viver  tranquilamente sem onerar a vida de um animal... ou seja, ninguém passa fome ou se tornará desnutrido por aderir o vegetarianismo e não comer carnes.
Ser vegetariano é, portanto, uma opção viável e são diversos os motivos que fazem com que o indivíduo culmine nesta direção, dentre os quais podemos destacar o aspecto ético (principal motivo de adesão), a questão ambiental (com menos animais sendo produzidos para a pecuária poder-se-ia plantar mais, amenizar futuros impactos ambientais e diminuir a fome no mundo) e a questão da saúde, motivo este que será o tema principal deste texto.
A saúde fora, sem sombra de dúvidas, um dos motivos cruciais para adesão do vegetarianismo por muitos de seus adeptos. Mas, será que há respaldo ou embasamento científico suficiente que possa afirmar, convictamente, esta questão? Ser vegetariano é ser mais saudável? Depende, vamos às constatações científicas de alguns estudos realizados na última década.
Começaremos à verificar se os vegetarianos são mais magros que os onívoros. Em uma investigação realizada por Spencer(1) e colaboradores, onde foram pesquisados 38.000 indivíduos britânicos, entre vegetarianos e não vegetarianos, homens e mulheres de 35-76 anos de idade, foi constatado que os vegetarianos e pesco-vegetarianos possuem praticamente o mesmo índice de massa corporal (IMC) e ambos com o IMC mais baixo que os onívoros. Já os vegans (indivíduos que não ingerem nenhum produto oriundo de animais, como o mel, leite e ovos) são os mais  magros entre todos os grupos. O autor deste estudo diz que o menor peso entre os vegans e vegetarianos está relacionado, principalmente, a um maior consumo de fibras e, inversamente, por um menor consumo de proteínas e gorduras saturadas. Mas, será que ser vegetariano é um critério Sine qua non para se tornar magro? Ao esmiuçar o artigo em suas entranhas (e não ater-se somente ao seu resumo), o autor explica que os hábitos de vida dos vegetarianos, no geral, são mais saudáveis.  Por exemplo, há uma maior adesão a atividade física e menor consumo de álcool e drogas ilícitas. Portanto, ao aderir o vegetarianismo, outras questões relacionadas à saúde são incorporadas e a dieta ,isoladamente, não reflete com precisão a diferença de IMC de vegetarianos e não vegetarianos.
Em um outro estudo, Newby (2) e colaboradores, compararam a prevalência de obesidade entre mulheres onívoras e vegetarianas.  Foi observado que 40% das mulheres onívoras estavam obesas, enquanto 25 e 29% das vegans e ovolacto-vegetarianos, respectivamente, possuíam tal disfunção metabólica. Portanto, houve uma quantidade maior de mulheres onívoras obesas quando comparadas com as vegetarianas. É importante ressaltar que as participantes vegetarianas deste estudo eram significativamente mais velhas que as onívoras, o que poderia aumentar a chance de terem um peso mais elevado, o que não ocorreu. Assim como no estudo de Spencer, o estilo de vida mais saudável que os vegetarianos preconizam foi associado à menor prevalência da obesidade. Cerca de 72% das vegans jamais utilizaram tabaco e pouquíssimas mencionaram ingerir bebidas alcoólicas. Então, novamente o estilo de vida demonstra-se como um fator importantíssimo na diminuição e manutenção de peso.
Estariam os vegetarianos menos propensos à desenvolverem o diabetes tipo II? Sim, pelo menos é o que diz o levantamento de dados de Tostand (3) e colaboradores. Em seu estudo com 97.000 pessoas foi constatado que vegans e ovolacto-vegetarianos possuem 50% menos possibilidades de desenvolver a doença quando comparados com onívoros. Os principais fatores desta menor possibilidade para o desenvolvimento do diabetes são, em grande parte, por uma menor ingestão de álcool, gorduras saturadas, produtos industrializados e alimentos refinados, bem como uma maior ingestão de fibras (frutas e vegetais) e alimentos integrais. Estes dados indicam que os vegetarianos estão na contramão dos fatores comportamentais de nossa sociedade atual, que direcionam as pessoas, cada vez mais, à obesidade e diabetes.
Nicholson (4) e colaboradores realizaram uma intervenção em pacientes diabéticos com uma dieta vegetariana hipolipídica (pouca quantidade de gordura e sem carnes de espécie alguma) e compararam com outra dieta hipolipídica padrão (com carnes magras) ao longo de 12 semanas. Os pacientes que utilizaram a dieta vegetariana baixaram, em média, 28% da glicose sérica (açúcar no sangue) contra 12% da diminuição glicêmica dos pacientes com a dieta padrão. A perda de peso média foi de 7,2 kg entre os vegetarianos contra os 3,8 kg do grupo controle (dieta padrão). Este estudo deixou claro que, além de baixar o peso de forma mais acentuada, a dieta vegetariana com pouca gordura é capaz de reduzir a glicemia em indivíduos diabéticos e, por consequência, diminuir as possibilidades de seus adeptos à desenvolver a doença.
Os vegetarianos estão menos propensos à desenvolver doenças cardíacas e hipertensão arterial sistêmica? Essa questão é confirmada segundo o estudo de Teixeira (5) e colaboradores, cujo intuito era avaliar e comparar o risco para doenças cardiovascular es entre vegetarianos (n=67) e onívoros (n=134). Em todos os testes clínicos realizados, como pressão arterial, glicemia em jejum, colesterol total, LDL colesterol ou “mau colesterol” e triglicérides, os vegetarianos apresentaram valores mais baixos, evidenciando, portanto, um menor risco deste grupo em desenvolver doenças cardiovasculares quando comparados com os onívoros.
Outro fator relevante que torna os vegetarianos menos propensos ao desenvolvimentos de doenças cardiovasculares é o fato de consumirem em maior quantidade alimentos ricos em vitaminas C e E, que possuem propriedades antioxidantes, diminuem a oxidação do LDL-colesterol nos vasos sanguíneos, além de ingerirem mais isoflavonas (presentes na soja) que beneficiam as funções endoteliais e vasculares. Neste sentido, um estudo realizado por Lin (6) e colaboradores, observou respostas vasodilatadoras melhores quando correlacionadas diretamente com os anos de prática do vegetarianismo, demonstrado um benefício direto desta alimentação com a função vascular e na normalização da pressão arterial.
Vegetarianos têm menos possibilidades de desenvolver câncer? Segundo o fundo mundial de pesquisa contra o câncer, (7) sim, é verdade, pois o consumo elevado de carne vermelha influencia diretamente o desenvolvimento do câncer de cólon e poderia aumentar as chances para desenvolver câncer de estômago, pâncreas e próstata. Já o consumo abundante de fibras e anti-oxidantes pelos vegetarianos, influenciam negativamente no desenvolvimento de neoplasias malignas.
Portanto, ser vegetariano pode, indubitavelmente, melhorar a saúde, desde que acompanhado de hábitos de vida saudáveis, como a adesão à atividade física regular, não ingestão abusiva de álcool, tabaco e drogas, bem como manter uma alimentação balanceada e equilibrada. 
É importante ressaltar que muitos adeptos deste estilo de vida, que não ingerem carnes por motivos éticos, pouco se preocupam com sua saúde e incorporam em suas dietas alimentos industrializados, açúcares refinados, refrigerantes, doces em abundância, bem como lacticínios gordos, pizzas e etc. Para este grupo, a preocupação e o cuidado com à saúde é tão relevante quanto para um onívoro.
Seja você vegetariano ou não, mantenha-se sempre atento ao seu peso, realizando anualmente check-up`s, verificando a sua circunferência abdominal (quanto maior for a circunferência, mais elevado será o risco para desenvolver doenças cardíacas), os seus indicadores bioquímicos (colesterol total, LDL colesterol, triglicérides, glicemia em jejum) e, claro, procure um nutricionista para adequar sua dieta às necessidades do seu organismo.
Autor:
Bruno Brancalion
CRN3:30.936
Consultor em Nutrição e Qualidade de Vida
Marcadores: Vegetariano; Vegetarianismo; Saúde; Vegan.

Referências:
1-SPENCER E.A , APPLEBY P.N, DAVEY G.K, KEY T.J. Diet and body mass index in 38 000 EPIC-Oxford meat-eaters, fish-eaters, vegetarians and vegans. International Journal of Obesity (2003) 27, 728–734.
2-NEWBY PK, TUCKER KL,  WOLK A. Risk of overweight and obesity among semivegetarian, lactovegetarian, and vegan women, American Journal of Clinical Nutrition, v. 81, n. 6, p. 1267–1274, 2005.
4-TONSTAD S, BUTLER T,  YAN R, FRASER GE.  Type of vegetarian Diet, Body Weight, and prevalence of Type 2 Diabetes. Diabetes Care May v. 32 n. 5, p. 791-796, 2009.
5-TEIXEIRA RC. Cardiovascular Risk in Vegetarians and Omnivores: a Comparative Study. Arq Bras Cardiol. v.89(4), p.237-244, 2007.
6-LIN CL, FANG TC, GUENG MK. Vascular dilatory functions of ovo lactovegetarians compared with omnivores. Atherosclerosis. v. 158, p. 247-251, 2001.

8 comentários:

  1. Muito bom o texto.
    Brother escreve bem!

    Abraços e tenho que passar o meu dia-a-dia para vc.

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  2. Mas e a respeito da baixa ingestão de proteínas, e ferro heme?

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  3. Olá Marília, tudo bem?

    O ferre não-heme, encontrado no vegetais, é menos biodisponível (menor absorção) que o ferro heme, encontrado nas carnes. Isso é um fato é é comprovado cientificamente. Porém, você pode melhorar a absorção do ferro não heme ingerindo, concomitantemente aos alimentos fonte de ferro não heme, ácido ascórbico (vitamina C). Dessa forma, este problema está resolvido.

    De acordo com as diretirzes da OMS e DRI`s e etc. a necessidade proteica de um indivíduo sedentário gira em torno de 0,8 à 1g/kg/dia. OU seja, se você e vegetariano e não faz atividades físicas sua necessidade é atingida facilmente via alimentação. Se você é vegan, tem que ficar atento somente para comer mais leguminosas, grão integrais, quinoa, aveia, que conte'm maior quantidade de proteínas. Caso você seja um atleta vegetariano, o ideal é você procurar um nutricionista para, talvez, realizar um intervenção com suplementos nutricionais à base de proteína, ok?

    Abraços,

    Bruno Brancalion

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  4. Olá!
    Muito bom este artigo!
    Minha dúvida é a respeito da famosa vitamina B12. Onde encontrá-la em quantidades satsfatórias em uma dieta ovo-lacto-vegetariana? E o Fe nao-heme, quais são suas maiores fontes?
    Abraços e desde já obrigada!!
    Maile

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  5. Olá Melise, tudo bem? que bom que você gostou do artigo!

    O ferro não heme é encontrado em vegetais verdes-escuros, como o brócolis, espinafre, couve, rúcula e etc. É encontrado também em abundância nas leguminosas (feijões, grão de bico, lentilha, ervilhas), algumas sementes (de abóbora, de gergelin) oleaginosas (castanhã do pará, cajú, amêndoas, nozes e avelã). É importante ressaltar que estes alimentos, quando consumidos concomitantemente com chás, café e lacticíneos, podem ter sua abosrção prejudicada, devido aos compostos fenólicos, catequínas e o cálcio. ok? E ingira sempre uma fruta cítrica (rica em vitamina C) para melhorar a absorção do ferro heme.

    A vitamina b12, ou cobalamina é encontrada facilmente em ovos (gema principalmente), leite integral fresco (pefira os de garrafinha, com o xandô ou da fazenda), iogurtes e queijo. para os vegans, o ideal mesmo é fazer a suplementação, de acordo com as necessidades metabólicas do indivíduo.

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  6. Fala Bruno. Valeu pela visita. Muito bom o post. Eu mesmo descobri o interesse por dietas e nutrição, e tambêm aprendi mais sobre alimentação por ter sido vegetariano e vegan entre os anos de 1993 e 2004...
    Indicarei para varios amigos veganos seu post

    abraços

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  7. E aí, Hax?! Beleza? C tá expert no assunto, hein, my brother? Parabéns, cara, eu imagino que vc deva estar estudando um bocado. Bora marcar de fazer alguma. Saudades de vc. Abraço!
    Fox

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